terça-feira, 5 de julho de 2011

Texto na íntegra - Mãe ventríloqua - Dr. Tadeu Fernando Fernandes


Você já viu alguma apresentação de ventriloquia? É incrível! A habilidade do ventríloquo faz com que a gente acredite que é o boneco quem está falando! Essa técnica é tão convincente que, durante a Idade Média, a atividade era considerada um tipo de feitiçaria, pois muita gente achava que os bonecos realmente ganhavam vida nas mãos dos feiticeiros, quer dizer, dos ventríloquos!
Fazia tempo que eu não assistia uma dessas apresentações de ventriloquia, mas um dia desses chamo para sala de consulta o João Luis. Entra um garotinho de três anos de idade acompanhado de sua mãe, sentam-se e inicio a entrevista.
- É um prazer tê-los aqui, qual o motivo da consulta?
E ai começou o show, com uma voz infantilizada, bem pausada, vem a resposta:
- Eu sou o Joãozinho, e essa é minha querida mamãe.
Eu tirei o olhar da ficha de consulta e olhei para o garoto, sentado no colo da mãe, e fiquei com cara de ponto de interrogação, fiz a próxima pergunta agora com os olhos fixos na boca do garoto:
- O que esta acontecendo com o Joãozinho?
E de novo a voz infantil:
- O Joãozinho é terrível, faz arte o dia todo e a noite quer dormir na cama da mamãe!
Juro que essa resposta não saiu da boca do garoto, olhei para a mãe que apenas sorriu, continuei.
- E a mamãe do Joãzinho não faz nada?
Para minha surpresa veio a resposta, naquela voz de garotinho, da boca da mamãe:
- Coitadinho do Joãozinho, ele é pequenininho, a mãezinha fica com dózinha!
Eu não acreditei no estava vendo, dei corda e olhando para o Joãozinho perguntei.
- Por que o Joãozinho não vai para escolinha, ele já tem 3 aninhos?
A idiota respondeu no mesmo tom de voz:
- Tadinho, tão pequeninho, não sabe se defender daqueles meninos feios da escolinha!
Prezados leitores, vou poupá-los dos outros detalhes desse ridículo dialogo, mas acredite, essa história é verídica, aconteceu semana passada. Pensei que já tinha visto tudo na vida pediátrica, mas essa foi demais, do início ao fim da consulta falei com uma ventríloqua.
Terminada a consulta fui pesquisar sobre esse “tipo” e constatei que na psiquiatria existem síndromes no mínimo curiosas. A indústria dos medicamentos estimulou a disseminação de drogas no mínimo questionáveis. Foram tecidas teses de todo o tipo, algumas delas bem estapafúrdias. Ou no mínimo curiosas.
Para além das boas hipóteses das muitas teses e debates sobre o fenômeno da infância insuportável, me parece que vale a pena pensar sobre quem são os pais dessas crianças. Se os pais são adultos infantilizados, que não conseguem se responsabilizar pelas suas vidas, e muitos, nem acham que precisam, como esperar que suas crianças se responsabilizem? Como esperar que os pais sejam pais se continuam sendo filhos?
Só me resta dizer, com a voz bem infantil, para a mãe do Joãozinho: bonitinha cresça e assuma a postura de mãe, imponha regras e limites, corte o cordão umbilical, deixa o Joãozinho viver, entendeu: tuti tuti tuti

Publicado no Jornal Correio Popular - Campinas/SP em 04/07/2011

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