sábado, 21 de maio de 2011

Política e Honestidade, será possível? - 2

É possível pelo menos tentar esclarecer melhor a questão. Independentemente de seu valor subjetivo e moral, existe um valor social óbvio no comportamento honesto e coerente com princípios. As lojas interessadas em vender bem garantem a qualidade de seus produtos, e os profissionais, os padrões dos serviços que prestam. Por que os políticos não podem fazer a mesma coisa? 

O que a honestidade garante é a previsibilidade de comportamento das partes envolvidas em uma relação qualquer que dure no tempo. Inversamente, o que estimula a desonestidade é a falta de princípios, de um ponto de vista externo, mas a instabilidade das situações. Se existe um sistema político estável e permanente, isto faz com que exista um ganho para o político em ser coerente com o que diz aos seus eleitores e com o que faz quando eleito. Inversamente, se as eleições são um evento único, onde se joga o grande destino da nação (ou dos políticos), então a luta é de morte, os fins justificam os meios, e qualquer aderência mais rígida a princípios não passa de um desprezível moralismo ingênuo e pequeno burguês.

Um dos fatores que estimula a falta de princípios na política é, pois, seu caráter instável e aleatório, que faz com que só o grande golpe ou o sucesso instantâneo justifiquem o investimento de muitos na vida político-partidária. Um outro fator é uma concepção absolutizante e totalitária da vida política, que caracteriza o envolvimento partidário de muitos grupos mais intelectualizados. Nesta perspectiva, todas as questões - do controle da inflação ao funcionamento das escolas, da liberação feminina à violência urbana - passam exclusivamente pêlo poder político, que hoje tem, como possível porta de entrada, o processo eleitoral. Trata-se de uma concepção evidentemente equivocada das coisas, já que não é realista, e nem séria desejável, concentrar nas agências políticas e governamentais o encaminhamento único destas e de tantas outras questões, às expensas de outras formas de participação social. A consequência desta absolutização da política é a introdução da política partidária em todos os rincões da vida social, que vão um a um perdendo sua especificidade como domínios sociais relativamente autônomos, dotados de normas de comportamento e convivência próprios, e sendo devorados pelo vértigo da competição política imediata. É óbvio que, a partir de uma visão destas, qualquer forma de participação quê não seja político-partidária perde legitimidade - e o resultado é que, para obter tão grandes fins, os meios parecem importar pouco.

A restauração da honestidade e da moralidade na vida política parece requerer pelo menos duas condições. A primeira é que a atividade político-partidária se transforme em um evento regular, previsível e repetitivo, que dê ensejo ao estabelecimento de carreiras públicas baseadas no prestígio, na coerência e na previsibilidade da ação dos lideres políticos. A segunda, paradoxalmente, é que a atividade político-partidária, e a luta pêlo poder político de uma maneira geral, percam um pouco da importância absoluta que geralmente lhes é atribuida. Se existem outras coisas importantes além do poder, outras formas de participação e ação social que não passam pelos órgãos legislativos e executivos, então é possível que a vida político-partidária ganhe um pouco mais de estabilidade, e, desta forma, mais respeitabilidade. A consequência, se isto fosse possível, seria uma recuperação progressiva do prestigio e da legitimidade da vida política, e o aumento de sua importância e escopo de atuação.

Mas isto não é suficiente. Uma boa parte da atividade política consiste, exatamente, em estabelecer quais questões podem ou devem ser disputadas na arena político-partidária, que recursos são ou não legítimos nestas disputas, e quais são as regras do jogo. Não existe um código de princípios prévio pelo qual os políticos possam se guiar e serem aferidos, a não ser em termos vagos e genéricos. O papel da liderança política consiste, exatamente, em propor e defender as normas mais apropriadas de ação política, realizando uma combinação entre as normas abstratas de uma ética de princípios e uma ética de responsabilidade pelas conseqüências da ação.

Como bem observava Max Weber em seu texto clássico sobre a política como vocação, existe algo de genuinamente humano e comovente nesta capacidade do homem maduro de assumir a responsabilidade por seus atos e fazer disto um princípio central de sua ação pública. Só a combinação deste tipo de ética pessoal com as condições externas que possam favorece-la - e uma, evidentemente, ajuda à outra - é que pode, a longo prazo, recuperar para a vida política a dignidade quê ela merece e a verdadeira importância que ela pode ter. A opção é de cada um. 

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